Graphic novel de ressonâncias

por André Rafaini Lopes

Na minha frente, um sujeito da produção tentava convencer o apresentador Ratinho a proibir um striptease em pleno horário nobre até ser literalmente arrancado do palco por uma gigantesca mão de macaco à King Kong. Na minha direita, vazava uma música árabe. Na esquerda, guitarras e sapateados flamencos. Levemente incomodado e sentado num sofá de uma academia de dança, no meio daquela zoada, decidi encarar Aparecida Blues, a nova graphic novel de Biu e Stêvz.

Logo nas primeiras páginas li as frases “ ‘Se o mundo fosse sinusoidal, um grande conjunto de ondas pulsando na mesma frequência, não haveria música’ / Isso significa que é preciso que haja todo tipo de gente no mundo para fazê-lo girar / Ao canto do caos, onde todas as faixas são possíveis, os cientistas chamam de Ruído Branco: o som do mar”. E descobri que estava no lugar certo e na hora certa. Avancei algumas páginas e comecei a me envolver com a história de Alaor, uma calavera trompetista à procura do amor e suas teorias jarmuschianas sobra a capacidade do mundo reverberar ideias / sentimentos. Eu estava no meio da reverberação.

A sensação não durou muito: Juju acabara de sair da aula de dança e voltaríamos para casa. Apresento, portanto, minha esposa porque ela será importante para essas observações que se seguem. Chegamos em casa, esquentamos o jantar já meio tarde da noite e entre uma garfada e outra ela elogia o silêncio daquele momento. Até então, Juju só tinha lido a capa de Aparecida e certamente estava longe de saber dos paralelos que a trama faz com o comportamento físico do som. Acabamos de comer e ela começou a folhear. Aliás, mais do que folhear, foi sugada pela história, tanto que ultrapassou o ponto em que eu tinha parado.

Pimba! Outra ressonância com o livro e a belíssima citação de José Miguel Wisnik: “Simplificadamente, a fuga é uma forma em que um tema melódico é apresentado por uma voz e retomado sucessivamente e a cada vez por outras, de modo que se instaura um tecido de semelhanças (ou imitações) defasadas, em que as vozes parecem se perseguir sem nunca coincidir, a não ser no acorde final”. Lá estava a Juju em fuga nas páginas de Aparecida Blues e eu a persegui-la, como um nerd que não quer ficar pra trás da novidade ansioso para também ler.

Resignado, deixei-a na sua atividade, enquanto esperava na sala! Ah, sim, ela não conseguiu nem sair da mesa… os olhos fixos nas páginas. Leu numa sentada e com olhar iluminado me devolveu. Veredito: “adorei”, confirmando que eu também não conseguiria adiar a tarefa por mais um dia. Mesmo pingando de sono, cheguei ao fim da história e a Ju, quase capotada ao meu lado no sofá: o acorde final.

O livro de Biu e Stêvz me fez pensar um tanto. A história é recheada de referências – terei visto o Robô Sensível do Liniers e o carro do Barão Wrangel do José Carlos Fernandes? – que permitem delinear muito bem o repertório dos autores. O repertório, a desenvoltura de brincar com coisa séria e a inventividade. A todo momento usam recursos visuais pouco usuais nos quadrinhos, belas diagramações e soluções inteligentes pro roteiro, amarrando apenas pontas soltas que merecem ser amarradas e deixando outras para a cabeça de cada um.

A história e os desenhos permitem um mar de interpretações, mas não vou deixar as minhas. Não agora. Vou deixar assentar. E o que é melhor: não vou influenciar com minhas reverberações as reverberações dos futuros leitores. Só adianto uma coisa. Cartola estava errado e Alaor, certo! O mundo não é um moinho!

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Informações sobre a publicação (que é uma coedição Beleléu e Edições Facada) em:

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